sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O CAUSO DA CAMISETA MOLHADA



Deu-se inesperadamente, como toda boa história se merece dar. A viagem fora inopinada, com escasso preparo. Vamos prá Bonito! De moto! De moto? Agora! Agora? Vamos, então! Achei que não ia, preguiçosa com novidades. Fui, fomos, com mais um motociclista patrono da ideia. Moto nova, viagem inaugural, ela insegura, medo de cair, baixa velocidade. Chegamos anoitecido. Hotel. Comida. Peixes. Canseira profunda, sono mais ainda. Outro dia cedo, domingão mole de intenções, mais novidades: vamos prá Bodoquena! Boca da Onça! Saímos logo do hotel, fomos comprar passaporte de aventura! Boca da Onça não tem mais! Saída é mais cedo, sete horas da manhã! Alternativa nessa rota é Nascente Azul, atração nova, essas coisas. Gostei mais. Boca da Onça, rapel, tudo me parecia perigoso ou chato.
Trinta quilômetros depois, chegamos numa baixada, às margens de um rio que se adivinhava pela alegria da mata, nascente por ali mesmo. Queria mais era peixe frito e cerveja. Mas tinha um lago, represa antiga das águas do rio, cujos excessos líquidos escorregam por cima de uma laje pendente e despenca em bela cachoeira improvisada num deque de madeira, diligentemente atapetada com telas de arame, para evitar escorregão. Todo mundo sabe a rima que dá esses escorregões em bicas d’água.
Ela viu a cachoeirinha, sentiu o chamado das águas, mas tinha esquecido o maiô, peça indispensável das casadas que se prezam. Andou, cheirou, mediu, assuntou o público. Ninguém à vista. Somente eu, mas eu não conto, não vejo. Ficou de calcinha preta e top branco, santista, santástica, mas jogou por cima um camisetão preto, meio corintiano, estraga festa dos outros, aventurou-se na água.
Pois a água conserta tudo, somos filhos dela, pejados dela. Com pouco os cabelos acalmaram, entregando-se ao ludo do banho. A camiseta, fina, enganosa, colou-se por todas as curvas do território líbido.
Compreendi então a batalha toda dos árabes e israelenses pelas colinas de Golã. Áridas, sim, mas o que não seriam com um pouco de água escorrendo pelo dorso delas! Revi o cheiro de mato da infância, as matinhas mal aparadas da roça abandonada, nas margens de um capão reservado, reserva legal de mato dedicado aos homens do futuro! Aquilo acelerou a minha viagem interior até os limites em que um átimo de memória atravessa o século.
Século, esse, lembrei, feito de desejos cercados por limites, fronteiras, decepções com as grandes esperanças universais, sangrentas guerras territoriais, a geografia da fome!
Pronto! Voltei ao meu reino de segurança, o normal e regular descrédito nas coisas reais!
E já a vejo torcendo a camiseta, distraída e molhada, sem pudor, sem promessas. Mas não me importa não, pois no território seguro e calmo da revolta com esse mundão Raimundo, a esperança é a última que broxa!



 Zeca Viana

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