segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Paulo Caldas pergunta

Diante da cena contemporânea, ainda faz sentido pensar naquilo que poderia ser próprio da dança?
Desdobramento pedagógico: Então, o que ensinar?

Paulo Caldas

É bailarino e coreógrafo. Professor dos cursos de graduação em dança da Universidade Federal do Ceará. Criador do dança em foco – Festival Internacional de Vídeo & Dança. Dirige a companhia de dança Staccato | Paulo Caldas desde sua criação, em 1993, no Rio de Janeiro.

9 comentários:

  1. Caramba! Bom, vou tentar colaborar com a discussão a partir do que eu vejo enquanto artista e enquanto aluna (dificuldade de pensar como formadora):

    Por não termos uma formação em Dança aqui em Campo Grande, muitos profissionais da dança buscaram outras formações (design, psicologia, terapia ocupacional, publicidade e propaganda, direito, artes visuais, jornalismo... e educação física vezes cem). Esses conhecimentos podem colaborar e já colaboraram para a produção em dança por aqui, à medida em que os artistas se dispõem a fazer conexões dos seus conhecimentos.

    Até aqui a gente pode ver diversificações da própria dança em jogos, videodanças, flash mob, documentários, seminários, fotografias, além de ampliar a discussão de alguns conteúdos da produção artística, seja refletido no seu próprio resultado ou debatido em revistas, releases, cartazes, programas, blogs, redes sociais etc. (sei que isso acontece em todo lado, mas parto de uma perspectiva local pra poder raciocinar melhor, ok?)

    Ao mesmo tempo é notório que a discussão sobre a produção ganhou volume e força a partir da pós-graduação em Dança. Conteúdos "próprios da dança" ou em que a dança numa perspectiva histórica "se apropriou" colaboraram para o nosso esclarecimento, inclusive proporcionando melhores conexões com os conhecimentos "de outras áreas".

    Entendo que a primeira pergunta do Paulo já questiona essa minha frase anterior, apesar dela ser entendível por quem vive nesta cena contemporânea.

    Pensando na minha formação, vejo que alcancei compreensões mais "amplas" da arte a partir de "como" o professor propunha um conteúdo. Por exemplo, na aula de história da arte (formação em design), ao discutir sobre o surrealismo, a profa Denise Nachif propôs a produção de um produto (contemporâneo) a partir dos conceitos levantados daquele período. Cheguei no resultado de uma caixa de um remédio para dormir (hoje - produto - surrealismo - sonho - excessos - remédios - distorções - ajuda).

    Existem muitos conteúdos a serem provocados e é bem duro tentar estabelecer quais são mais apropriados... (conhecimento nunca é demais, certo?). Ainda mais na dança, que existe o elemento corpo, que é a própria existência nossa por aqui. Mas talvez se pensarmos em agregar cada vez mais informações, técnicas, ferramentas, linguagens etc no "como" vamos propor um conhecimento, podemos chegar mais perto de um diálogo com as possibilidades de produção atual...

    bom, falei bastante, mas talvez tenha fugido um pouco.. mas foi o que consegui raciocinar até agora. ;)

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  2. Estudo na UEMS, unidade esta aqui em Campo Grande no curso de Artes Cênicas e Dança, um curso novo, dois anos de existência, duas turmas, mas com falta estrutura qualificada e professores para grade.

    Como o próprio nome diz estudamos Artes Cênicas, mas com ênfase em Teatro e Dança, no que eu vi e estudei ao decorrer desse ano, meu primeiro ano, foram conteúdos não só na linguagem artística mas também pedagógica, lembrando que esse curso é de Licenciatura, e que daqui há três anos e meio sairemos do curso PROFESSORES de Teatro-Dança ou de Artes.

    Enfim o que eu quero dizer é que, do que eu estudei até agora foram conteúdos PEDAGÓGICOS que ampliaram meu conhecimento na área da dança, e conteúdos de como se portar em sala de aula e ensinar, como os pensadores, filosóficos – Freud, Focault, Piaget, Karl Marx entre tantos outros, me fizerem ver a dança do lado político, burocrático, poético da coisa, assim por dizer (rsrsr).

    Minha opinião da cena contemporânea, é que só pensar na dança em si só parece que não basta e concordo com a Paula Bueno, conhecimento nunca é demais, vou estudar conteúdos “próprios” da dança e do teatro, mas há uma série de complementos que não podem passar despercebidos.

    Deixo também uma questão, uma levantada em sala de aula ontem, será possível uma pessoa sair qualificada como professor de Teatro-Dança? Pensando, nessa pessoa sem especialização em ambas as áreas, ou só em uma. Será que ainda, precisamos de um curso propriamente só de Dança e de Teatro?A sala pegou fogo ontem...deixo essa com vocês..rsrs

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  3. Um dos maiores desafios do Sec. XXI é a integração do conhecimento. Para se ter uma idéia da fragmentação/especialização que houve no conhecimento após a Iluminação (sendo que conhecimento aqui inclui todo o FAZER humano), basta pensar que na UNIVERSIDADE medieval se estudava o trívio (gramática, retórica e dialética, depois filosofia) e o quadrívio (geometria, aritmética, música e medicina), como preparação para o estudo da teologia, astronomia e jurisprudência. Um doutor medieval tinha necessariamente uma visão integrada, holística, de qualquer assunto. Lembrar também que eles tinham uma língua mundial, o latim. Hoje um Doutor que escreve sofrivelmente em sua língua materna já é um milagre. Por isso não dá para discutir a suficiência da escola de dança como formadora de um artista da mesma maneira que não dá para imaginar a faculdade de medicina formando médicos. Não sobrou nada à prova de imbecis, como diria Alexander Soljenítsin. Cabe duvidar sempre (Marx).

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  4. Ao me deparar com a pergunta lembrei do objetos híbridos do Latour (em Jamais Fomos Modernos - 1994), quando nos instantes nebulosos que os saberes científicos se inventam e inventavam o construto dito do real, esqueciam que nas latencias dicotômicas das suas vozes acadêmicas, muitos objetos híbridos se performavem entre-linhas, e hoje estão causando muitas indagações quase intragáveis para as mesmas vigias acadêmicas e seus castelos.

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  5. Perguntas instigantes!
    Deu nó nas ideias.
    Me parece que o nó é porque penso dicotomicamente ainda dança contemporânea e disciplinarização do saber, como se fossem desordem e ordem, mas podem não ser ospostos.

    As universidades estão pautadas pela disciplinarização do saber, né? Não adianta, a plataforma Lattes nos lembra isso toda hora e, diante do contexto de relações de poder, fortalecer-se enquanto área de conhecimento significa conseguir mais recursos pra pesquisa.
    Disciplinarização tem a ver com controle, que tem a ver também com propriedade e propriedade me parece ser uma categoria pilar da maneira como nos organizamos em sociedade. A gente vez ou outra fala que precisa se “apropriar” das coisas, o que pra mim explicita o quanto a gente se entende como algo próprio, apartado do meio, e isso pra mim não é imaginário, é mesmo um jeito de organizar o entendimento das coisas que é material, porque somatizada no corpo mesmo, em sua anatomia, na arquitetura do pensamento que não é só subjetivo, são sinapses, sensorial e movimento, no nosso deslocamento pela cidade, na nossa busca de singularização diante do comum. Outro exemplo é o da crise que a internet gerou em torno da autoria, propriedade intelectual. A emergência do que estão chamando de “trabalho imaterial” ou “capital cognitivo” dizem muito do quanto o nosso cotidiano e nós mesmos estamos sendo mapeados cognitivamente pela lógica econômica do capital e da produção. Por isso, pelo contexto das relações de poder, que eu acho que é necessário quebrar a cabeça sobre as propriedades que só a dança tem, fronteiras que podem e são extendidas na produção artística.

    Em vista dessa disciplinarização, lembrei de uma frase do pesquisador português Boaventura de Sousa Santos, no livro “Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social”, que diz que enquanto não há como mudar o mundo de uma vez, dá pra começar trabalhando dentro da universidade convencional e criar instituições paralelas, “e pode-se fazer ecologia de saberes dentro da universidade. Isso é, para mim, a extensão universitária às avessas; a extensão convencional é levar a universidade para fora, a ecologia de saberes é trazer outros conhecimentos para dentro da universidade, uma nova forma de pesquisa-ação.” Como levar aos artigos acadêmicos tonalidades ensaísticas, à construção de hipóteses deixar fluir criatividades e implicações artísticas, aos comentários em sala de aula o repertório individual, depoimentos, etc. Sempre com cuidado e competência, como adverte Muniz Sodré.

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  6. Minhas reflexões a partir das perguntas estão contaminadas também pela aula que assisti ontem, “percursos em Deleuze”, com o professor Peter Pál Pelbart. E o conceito de “caosmose”, do Guattari, parceiro de pesquisa do Deleuze, que é a junção de caos+cosmos+osmose, me remete ao que entendo hoje de dança contemporânea, que é um tudo muitas vezes visto como nada, que não é qualquer coisa, mas não tem rosto, a forma só emerge provisória, assim como o movimento (apesar de que, dança contemporânea + lógica econômica das produções a tem levado a assumir formas antes mesmo delas emergirem de alguma relação, na minha opinião a lógica do cânone é difícil de desestabilizar, ela dá segurança pros momentos em que tudo é tão incerto, pode ser que esteja presente em momentos de transição na carreira dos artistas). Será possível categorizar o que está sempre em transformação e movimento? Controlar o incontrolável (processos de invenção)? Só consigo pensar se for como estudar as borboletas voando em vez de alfinetadas, como o Bauman sugere, e como a vontade de identificação que a Helena desenvolve no “um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo”.
    Ela lança a hipótese de que o que é singular na dança é que ela tem a propriedade do pensamento, entendendo-o não como aquela voz que fala baixinho na consciência, mas um jeito de organizar as informações, que já é ação, não se dá nem antes nem depois dela. Em suas palavras:

    “Quando o corpo pensa, isto é, quando o corpo organiza o seu movimento com um tipo de organização semelhante ao que promove o surgimento dos nossos pensamentos, então ele dança. Pensamento entendido como o jeito que o movimento encontrou para se apresentar. Ou seja, apenas em alguns movimentos que o corpo realiza sucede o mesmo quando o corpo está pensando. (...) A mímica, todos os tipos de ginástica, o teatro – mesmo o mais contemporâneo -, vários dos esportes, etc, se apartam da dança porque não se estruturam assim. Quando se entende a dança como um pensamento do corpo este é o primeiro ganho: consegue-se diferenciá-la de todas as outras construções que um corpo faz com o movimento.”

    Pra mim ainda é difícil de entender, outro nó pra tentar desatar. Como ela diz mais adiante no livro: “O fato desse percurso ainda não se encontrar totalmente mapeado não impede a proposição dessa hipótese. ...é difícil provar que em abril as manhãs recebem com mais ternura os passarinhos...(Barros, 1991)”.

    Se corpo e pensamento são matérias de dança, pode ser que o que se ensine em curso de dança, especificamente, sejam entendimentos de corpo (que envolve várias áreas do conhecimento, das humanidades, biológicas, exatas), história do que tem sido chamado de dança e problematização desse conceito. Pode ser que o próprio corpo lance pistas para estudos “indisciplinares” (como a Christine Greiner fala no livro “O corpo”) mais condizentes do que se pratica na dança contemporânea.

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  7. Quer dizer que a dança pode ser a poesia do corpo e a literatura geral seus outros movimentos? Se, então, lembrar Quintana, para quem a poesia acontece fora do poema, justo na cabeça do leitor. E Manoel de Barros, para quem a poesia é, antes de tudo, um inutensílio.

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  8. Zé, acredito que você encontrou um bom e interessante caminho ao lembrar do Manoel de Barros. Podemos nos desprender do que é dança, para formar articulações viscerais com o nada. Caminhar nas fissuras do indeterminado, ser nada - para ser livre.

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  9. Yan, para nada acrescentar ao que você sugere, lembro que não é a matéria visível que impulsiona o universo, porém a matéria escura, invisível e até agora inexplicável aos físicos, mas em tudo presente. Mais, que a intenção da matéria, clara ou escura, verdade ou mentira, explicada ou desconhecida, está no vazio que ela não preenche, não toca, não vê... e no qual se regojiza. O corpo, matreiro, enquanto a mente vai buscar uma lata d´água, passeia além do impensado, projetando-se no vazio de significados. As explicações são sempre posteriores, em cima do movimento derramado.

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