terça-feira, 13 de setembro de 2011

Uma vez, nada Mais por Camila Emboava

No emblemático 11 de setembro, a televisão, os sites de notícia e as redes sociais só sabiam falar do ataque ao World Trade Center que aconteceu há dez anos e dispensa mais explicações. Mas enquanto tanta gente discutia, analisava, interpretava e homenageava esse fato, que realmente foi um dos mais marcantes e decisivos para a construção da nossa época presente, um espetáculo de teatro prometia teletransporte para uma época de romantismo marcada pela febre do rádio, comerciais, antigas novelas, cantores e divas. Uma Vez e Nada Mais, do grupo baiano Carambola Produções, foi apresentado nos dias 10 e 11, durante a programação da 6 Aldeia Sesc Terena de Artes. EU FUI.

E aconteceu. Desde a primeira cena a atriz me arrebatou pra um universo totalmente diferente da realidade. O trabalho corporal das duas atrizes que participam do espetáculo é tão preciso, tão minuciosamente resolvido que, inexplicavelmente (pelo menos pra mim, que nunca tinha ouvido falar e nem imaginado técnica de quadrinhos e cinema mudo no teatro), a história toda se passou em ritmo de 16 frames por segundo.

A peça tem um cenário simples que funciona muito bem. É divertido observar a relação das personagens com os objetos de cena, principalmente o telefone e o rádio. Ah o rádio... a trilha do espetáculo é parte essencial do ritmo e foi muito bem montada. As dublagens de novelas antigas e músicas de melodrama arrancaram risos descontraídos da platéia. O figurino é coerente e não ofusca a atuação maravilhosa das atrizes. A iluminação ajuda a compor a atmosfera de sonho de uma época romântica.

O roteiro é sobre o amor. Sobre uma época, sobre a feminilidade, sobre a espera, sobre a dependência do ser amado, sobre a idealização, sobre a decepção. Sobre o amor, sobretudo. É uma reflexão muito bem feita, principalmente porque acontece sem palavras. Me pareceu muito sincero tratar de um sentimento com silêncio verbal. A música fala, a cena fala e o corpo - o corpo fala. E fala bonito. Os dois corpos em cena são alguns dos mais fluentes que eu já vi nessa vida.

Outro ponto super positivo foi a conversa depois do espetáculo. A diretora, Hebe Alves e as atrizes são muito abertas. O ‘inexplicavelmente elas se movimentavam em 16 frames por segundo’ foi ganhando explicações. Descobrimos que a maturidade dos corpos é fruto de muito trabalho – pilates, dança contemporânea, lutas, natação, balé clássico. Eu particularmente achei muito interessante a relação delas com o balé. Uma delas, que começou a praticar adulta, elencou como essencial para a organização do seu corpo. A outra, que cresceu fazendo balé clássico, se organiza com a negação dele.

Estranho foi descobrir que uma das atrizes é na verdade dançarina, está substituindo a atriz da montagem original e acabou de aprender a peça, há duas semanas. Muitas estrelinhas pra ela, que teve uma atuação maravilhosa. É mais uma evidência de que o espetáculo é muito sincero e real. E que está bem resolvido o suficiente para que outra artista possa entrar sem fazer confusão.

Pra mim o único ponto negativo não estava no palco, mas na platéia miúda. Falta bolar um plano mirabolante pra levar as pessoas dessa cidade pro teatro. Afinal, o Sesc é tão pequeno e o Campo tão Grande...

foto de Márcio Lima

3 comentários:

  1. A bailarina chama-se Luciane Sarmento e atua no grupo (de dança) Tran Chan da Bahia. A atriZ é a Aicha Marques.
    Vou confessar uma coisa pra vocês: já sabia dessa história da bailarina (dela estar substituindo uma das atriZes). Assim que o espetáculo começou quiZ logo desvendar: quem será a bailarina??? A melhor delas, certamente, será a bailarina!!! (rsrsrs)
    Pude compreender, ao final, que cada uma, a seu modo, é ao mesmo tempo atriZ e bailarina, com conhecimentos próprios, isto é, que seus corpos vêm de histórias diferentes. Será que assim a gente pode pensar que teatro e dança têm conhecimentos próprios? E são exclusivos? (já aproveitando para pensar na resposta da pergunta do mês).

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  2. Luciane! Eu não coloquei o nome delas pq só lembrava da Aícha e da Maria, que não estava (mas estava) lá e também não achei o nome da Luiciane na internet..
    Ah, as artes cênicas :)

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  3. Movimente.... fórum de Artistas da dança.... primeira vez que venho por aqui e já gostei. Entrei pra ler sobre o Espaço Imaginário e me deparo com Uma Vez nada Mais... é claro que li! Hebe foi diretora no meu espetáculo de graduação chamado Tiro ao Alvo... mas isso já fazem uns 15 anos... A dançarina é conhecida como Lulu e possui um outro lindo espetáculo de dança chamado "Na Era do Rádio" na mesma atmosfera, mas sem os 16 frames por segundo. Neste é só dança, música, amor...
    Triste a falta do público, fui no sábado. Pra mim dois são os fatores: a falta de uma assessoria de imprensa competente e a falta da crítica especializada. O papel de blogs como este é fundamental como modelo de crítica e registro histórico das produções de Campão. Que os jornais locais diversifiquem a parte cultural, dêem a capa do caderno de cultura também para o teatro. Parabéns.

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