domingo, 30 de setembro de 2012

Para Ostermeier, teatro fala de gente e do quanto podemos ser contraditórios


Havia se passado uma semana do meu aniversário e estava há uma semana de viajar pela primeira vez para a Europa (e para Berlim), quando recebi uma ligação do Instituto Goethe dizendo que iria patrocinar minha participação no 4o Congresso Cult de Jornalismo Cultural. Alemanha não fazia exatamente parte de meu imaginário quando o assunto eram as artes cênicas, mas naquele fim de maio comecei a me dar conta do quanto as questões artísticas daquele país dialoga com o que venho acompanhando em São Paulo.

Pela primeira vez no Brasil
Já havia conhecido a Argentina e o Chile, mas era a primeira vez que Thomas Ostermeier (na foto ao lado) vinha ao Brasil. A convite do 4o Congresso Cult de Jornalismo Cultural, que aconteceu entre 28 e 31 de maio de 2012, com o apoio de universidades e entidades, dentre elas o Instituto Goethe, Ostermeier dividiu, no último dia do encontro, uma mesa de palestras com Antonio Araújo, co-fundador e diretor do Teatro da Vertigem, de São Paulo, com mediação da jornalista e pesquisadora Beth Néspoli.
Toninho, assim chamado por Beth, beirava a estreia de seu novo trabalho, Bom Retiro 958 metros. “Sou maluco de aceitar o convite de apresentar uma palestra pela manhã em plena estreia de espetáculo. Se disser alguma besteira, vocês me desculpem, estou sem dormir há alguns dias.”. Com o pretexto de debater sobre a relação entre mídia e novos repertórios para o teatro, a plateia pôde conhecer um pouco mais sobre as motivações do trabalho de cada um.

A arte do conflito
Antes de entrar para o curso de direção teatral na faculdade de artes cênicas Hochschule für Schauspielkunst (1992-1996), em Berlim, a impressão que Thomas Ostermeir tinha do teatro era a de que fazia parte de um circuito bastante intelectualizado. Nasceu em Soltau, região norte da Alemanha, em uma família de trabalhadores e pequenos burgueses, em 1968, sete anos depois que o muro que separou a Europa entre “leste”, comunista, e “oeste”, capitalista, foi erguido na capital de seu país (1961-1989). O teatro nunca havia feito parte de sua formação quando criança, nem durante a adolescência, mas filmes e histórias sempre lhe chamaram a atenção. (Na foto ao lado, Hamlet de Willim Shakespeare, dirigido por Thomas Ostermeier e Lars Eidinger. Foto: Arno Declair).

 No teatro o que lhe intriga, especificamente, são os nódulos de conflito. Nas primeiras experiências que teve como diretor ficava absorvido em roteiros escritos por Sarah Kane, Bertold Brecht e peças sobre a juventude marginal europeia (o gosto por realidades desestabilizadoras cresceu durante a faculdade, onde entrou em contato com um entendimento de teatro como artifício de expressão social). Suas primeiras experiências como diretor se deu quando esteve à frente da direção do teatro Baracke (1996-1999).
Ostermeier entende o teatro como a arte do conflito e “um lugar privilegiado para se construir narrativas independentes”, para se propor e experimentar utopias, já que sua sobrevivência independe do efeito popular – na Alemanha, os teatros são mantidos pelo Estado. “Há sanidade em uma sociedade em permitir contrapontos”, disse ele no TUCA, teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sede do Congresso. Mas foi um choque quando estreou como membro da diretoria artística do teatro Berliner Schaubühne am Lehniner Platz, que tradicionalmente se volta para a remontagem de clássicos do teatro europeu. Apresentou sua versão de Personenkreis 3.1, em 2000, peça escrtia pelo dramaturgo sueco Lars Noré. O nome da primeira peça que dirigiu no Schaubühne, Personenkreis, é um termo administrativo do governo sueco que designa pessoas em condições de desamparo social. Prostitutas, viciados em drogas, moradores de rua, alcoólatras, imigrantes, todos estavam no palco. “O que funcionou no Baracke foi um fracasso no Schaubühne”. Aprendeu na pele o que um colega depois lhe aconselhou: “para assumir um teatro você precisa esvaziá-lo primeiro para depois encher novamente com um novo público.”.
E como a precariedade e o conflito transbordam na dramaturgia dos personagens? “Proponho tensões de status”, respondeu durante palestra no Instituto Goethe, no dia 1o de junho, uma sexta-feira. Propõe exercícios que colocam os atores em situações inesperadas, como quando um empregado é chamado pelo patrão até sua sala com a certeza de que será promovido. Quando se senta frente ao patrão, recebe a notícia de que será demitido. “O que uma pessoa faz quando é pega de surpresa? Quantos jogariam um copo de água no rosto do patrão? Essa seria uma ração clichê. Quantos sorririam?” O que Ostermeier quer fisgar é um estado de vulnerabilidade, esse a que nos expomos pelo simples fato de estarmos vivos.
Mesmo em adaptações de clássicos tenta apresentar ao expectador as fragilidades da contraditoriedade humana. “Meu Hamlet é gordo, mimado, violento, perigoso”, disse sobre a peça que estreou em 2008 mantendo-se contrário a encenações que alimentam auras melancólicas e pouco realistas dos clássicos. Segundo ele, vivemos em uma harmonia aparente e a luta pela sobrevivência pode pôr tudo por água abaixo.
E é na persistência nos conflitos em que Ostermeier desvela a contemporaneidade de seu trabalho, porque dialoga com a cidade onde reside desde a década de 1980, Berlim. É a disponibilidade de se posicionar frente a algum conflito que exala da sobriedade da arquitetura, limpeza, organização exímia do bem-estar social, da polidez, das pichações de caráter político espalhadas pela cidade, e até da justa correspondência entre o que os jovens pelas ruas mostram ser (pelas vestimentas, corte de cabelo) e seus reais posicionamentos políticos – o que quero dizer é que os jovens que vi pelas ruas de Berlim pareciam brincar muito menos de se fantasiar com um penteado moicano, por exemplo, do que serem, efetivamente, punks sujos, usuários de drogas, contra, de fato, o modo consumista de organizar e de viver a vida. Exala também da coragem de estar constituída por e preservar monumentos que escancaram consequências de decisões políticas imperdoáveis durante as guerras de um passado recente.

O que o teatro quer é comunicar
Da conversa entre Toninho e Ostermeier brotou, além de um breve contato com as questões artísticas de cada diretor, uma dica para os jornalistas culturais: que consigam observar as tensões, os conflitos a partir dos quais emergem as peças de teatro sobre as quais irão escrever. Que deixem de encará-las apenas como produtos ou como artifício para conseguir vender mais exemplares e que se atentem para atores e diretores como pessoas que criam menos por vaidade e mais pela necessidade de se comunicar.

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